QUILOMBO: resistência ao escravismo

Autores

Clóvis Moura

Sinopse

Por Soraya Moura

PAI, POETA E PIAUIENSE

 

“Tudo ficou: planície, rio, cal
Coagulado dentro de mim
Pedaço de sangue da memória levando o poeta
Para o fundo da infância que se espatifou
de encontro à vida.”
(Clovis Moura. Espantalho na Feira, 1961)


Apublicação da presente obra pela Editora da Universidade Estadual do Piauí tem um duplo significado especial que vai além da divulgação de seu pensamento como sociólogo, historiador e estudioso das questões raciais no Brasil.

Clóvis Moura, com um especial carinho pelos jovens, possuía um enorme prazer em conversar, sugerir leituras, discutir ideias, polemizar, abrir caminhos de pensamento e ouvir muito. Era rotineiro encontrar uma “meninada”, como ele dizia, em seu gabinete de trabalho discutindo ideias. Nestes encontros, ficava patente o seu prazer em ouvir o que a juventude pensava e isso permaneceu durante toda a sua vida.

Essa era uma característica do intelectual generoso que afirmava que ao dividir seu conhecimento também aprendia a cada conversa, e, por isso, recebia em sua casa com o mesmo entusiasmo tanto o jovem estudante ou militante, quanto o intelectual de renome. De certa forma, sua personalidade, sua posição política e seu engajamento nas questões sociais faz com que hoje seu legado permaneça vivo. Moura está presente não apenas nas citações bibliográficas e nas estantes de bibliotecas, mas na descoberta de vários jovens, principalmente, jovens negros que por meio do contato com seu pensamento mudaram
sua forma de enxergar o mundo e seu papel na sociedade.

Homem de múltiplas facetas, além de sua produção como sociólogo e historiador, meu pai dedicava grande parte de seu talento a poesia, crônicas e peças de teatro, momento em que o Piauí se desnudava no conjunto de suas memórias. Seu nascimento e infância em Amarante, estiveram sempre presentes em suas lembranças, contadas nas rodas de conversa e recordada em suas poesias e crônicas. Moura dedica muitos poemas para homenagear sua terra natal o que torna impossível dissociar sua obra literária à terra onde nasceu. As poesias de Moura são compiladas nos livros: Espantalho na feira (1961), Argila da memória (1964), Âncora do Planalto (1964), Manequins Corcundas (1977), Flauta de Argila (1992) e Bahia de todos os homens (1997) e o póstumo, Duelos com o Infinito (2004).

Em 1962, dedicou o livro de poesias “Argila da Memória” à cidade que marcaria suas memórias por toda a vida. Nessa obra, assim, apresentava sua rapsódia:

“ (...) Quem supuser que aqui os dilemas da angústia do poeta vão à feira como mercadoria vendida para as lobas, não ouça, não. É a estória de um rio e de uma cidade. De um rio que se engasga de lama e barro, toá, remansos, escuridão maior de anus na chuva e benditos encomendando mortos afogados.”

Dedicou muitos poemas registrando a forte presença do Rio Parnaíba em suas lembranças:

“Havia o rio e o Seu Quincas que dizia, numa voz que quase ninguém entendia:
- menino, olha o rio. (...)”

Relembrava ser filho de pai negro com mãe alemã, e brincava, “minha mãe laçou meu pai na senzala”. Nascido prematuro, aos seis meses de gestação, ocupando uma caixa de sapatos, contava que recebera a extrema-unção, mas que sobrevivera por trazer nas veias o sangue da teimosia e da rebeldia.

Homem múltiplo, fiel as suas convicções, poeta sensível e intransigente contra toda forma de preconceito, objetivou transformar a vida das pessoas e estar presente para seus camaradas, jovens, comunidade negra e movimentos sociais. Acredito ter sido este o objetivo final de todo o seu esforço intelectual e militância política. Enfim, seu legado está onde ele sempre quis que estivesse.

Clóvis Moura é um dos grandes piauienses imortalizado pela UESPI. Seu desejo era que suas cinzas fossem depositadas no Rio Parnaíba. Sua vontade foi cumprida, e hoje ele viaja nas águas do rio da sua infância.

Capa para QUILOMBO: resistência ao escravismo
Publicado
maio 27, 2021
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